Conjunto arquitetônico de Mucugê
Dados do Verbete
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Autor:
Data da última atualização do verbete:
Espaço Produzido
Aglomerados urbanos e rurais
Fellipe Decrescenzo A. Amaral
10 de dezembro de 2023
Detalhamento
Denominação Oficial
Mucugê
Denominação popular
–
Município(s)
Mucugê
Se não for a cidade sede do município, indique aqui o distrito ou subdistrito ou se é área rural
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Localidade (se aplicável):
–
Aspectos históricos, sociais, econômicos, culturais e geográficos relacionados à arquitetura vernácula
Reflexo da ocupação desenfreada da localidade a partir da descoberta de diamantes nos leitos dos seus rios, a imagem de uma paisagem rude, pedregosa, quase inerte, foi dando lugar ao balançar dos toldos, da palha e dos acampamentos de suporte ao garimpo.
Mucugê possui um acervo arquitetônico oitocentista que difere daquela produção dita oficial, monumental, possuindo vigorosa relação com o meio em que se insere, em plena simbiose com o ambiente e com os materiais disponíveis. É, antes de tudo, resultado do engenho de uma sociedade pré-industrial, dos seus traços culturais, das limitações econômicas e do meio físico.
Descrição do tipo de aglomerado urbano ou rural e de sua tipologia físico-espacial
O “pouso de garimpeiros”, como definiu Teodoro Sampaio, ocupa um pequeno trecho relativamente plano de vale rodeado por morros e margeado pelo Rio Mucugê, em meio às acentuadas elevações da Serra do Sincorá.
A cidade de Mucugê se desenvolveu em meio ao vale também de forma linear, primeiramente por meio de duas ruas retilíneas que se formaram a partir do ponto de inflexão deste caminho: a Rua Rodrigues Lima, que se inicia a partir da Igreja Matriz; e a Rua Direita do Comércio, que se inicia a partir da Igreja de Santo Antônio. Acredita-se que a Rua Direita, um dos braços deste formato em “L”, tenha sido o núcleo inicial da povoação por ser paralela ao riacho que corta a cidade, proveniente do Rio Mucugê. Ambas se conectam de forma perpendicular na Praça Coronel Propércio, que já nasce como ponto de encontro dos deslocamentos urbanos. Este caminho que gerou o traçado urbano da povoação foi então rapidamente fracionando-se em lotes estreitos de ocupação contígua.
Lá, assim como noutras cidades mineradoras, a decisão inicial da ocupação do sítio ficou primordialmente condicionada não a questões de defesa ou de importância territorial frente a uma rede urbana consolidada, mas sim à presença e abundância de minérios. Se em Minas Gerais o sítio foi determinado pela disponibilidade do ouro, em Mucugê, esse papel coube aos diamantes: agruparam-se punhados de aventureiros em torno dos acampamentos e das lavras, germinando-se o assentamento.
As duas principais ruas, que eram também a própria estrada, embora não se orientem no mesmo sentido, como a chamada “estrada tronco” de Ouro Preto, se conectam perpendicularmente na inflexão do caminho, se acomodando às condições topográficas do sítio. Assim, a forma urbana de Mucugê nasce profundamente imbricada com seu sítio, que exerce também significativa influência na determinação da forma do assentamento e das habitações.
A associação do conjunto arquitetônico mucugeense com os elevados morros rochosos chapadinos ainda lhe confere uma identidade própria, a partir da composição dos diferentes cenários que se formam ao longo da movimentação dos que transitam pela cidade. Esta conexão se dá não somente pela sua implantação no vale, se acomodando suavemente à topografia acidentada dos arredores, mas também pela configuração horizontalizada do conjunto edificado e pelo uso de técnicas tradicionais e materiais disponíveis na região.
Destaca-se ainda que os edifícios religiosos foram implantados em pontos importantes do conjunto, mas não no sentido da sua elevação em relação ao restante do núcleo urbano. Os dois edifícios religiosos construídos pouco tempo depois da fundação da vila, a Igreja Matriz de Santa Isabel e a Igreja de Santo Antônio, encerraram os eixos perspectivos criados pela linearidade das ruas Direita e Rodrigues Lima, enquadradas em seus pontos focais.
Descrição da arquitetura vernácula/popular predominante no aglomerado
Um dos primeiros abrigos, cuja ocorrência deve ter se dado concomitantemente aos toldos e casas de palha, foram as habitações conhecidas como tocas ou “locas”. Tais construções em
alvenaria de pedra seca tiravam partido das saliências dos morros pedregosos utilizando os balanços das pedras como cobertura ou, por vezes, mesclando esta solução com coberturas em palha. Longe de refletirem atos e preferências individuais, as soluções encontradas para o assentamento em questão e suas habitações representavam, pelo contrário, a cultura destes sujeitos enquanto grupo e sua resposta às características da região. A técnica da pedra seca, encaixada sem material aglutinante, foi utilizada para a construção das locas e até hoje é utilizada para a construção de muros. Também foi utilizada para a construção das “mangas”, que consistem em muretas baixas em pedra seca para organizar e delimitar o espaço do gado, cujos vestígios ainda podem ser vistos hoje entre a Rua Direita e a Rua da Várzea, bem como ao lado da Igreja Matriz e próximo à Praça dos Garimpeiros. Estruturas que podem ter determinado, inclusive, a formação de algumas das quadras mais recentes.
As edificações mais foram aos poucos dando lugar a outras mais estruturadas já nos primeiros anos, geralmente em alvenaria autoportante de pedra ou de adobe, com paredes internas em pau-a-pique, tendo os sobrados, em seu pavimento superior, estrutura autônoma em madeira. As coberturas em palha, proibidas pelas Posturas desde os primeiros anos de ocupação da Vila de Santa Isabel do Paraguassu, como Mucugê se chamava à época, foram gradativamente substituídas por coberturas em telha cerâmica. As edificações do conjunto oitocentista de Mucugê surgiram naqueles tempos ainda embebidas dos antigos padrões construtivos do período colonial, que continuaram ecoando durante todo aquele século e início do século XX por vários recantos do Brasil. O tipo de edificação residencial predominante é térrea, sendo os poucos sobrados excessões em meio à marcada horizontalidade do casario. Quanto às relações de implantação, as construções ocupa toda a testada e divisas entre os lotes, ou seja, não possuem recuos frontais ou laterais. As coberturas em duas águas foram geralmente concebidas com o caimento voltado para a frente e para o fundo do lote, onde se desenvolviam longos quintais. Apesar da perpetuação do modo colonial de construir, algumas inovações se fizeram notar no decorrer da história da cidade, com a inserção de elementos de influência do Ecletismo.
Para além das duas igrejas, o Cemitério Santa Isabel, construído nas últimas décadas do século XIX, merece destaque especial devido à sua condição singular. Sua implantação, aliada ao enquadramento das igrejas, configura duas experiências monumentais proporcionadas pela configuração do ambiente citadino. Implantado no sopé do Morro do Cruzeiro, os mausoléus caiados construídos sobre as rochas também carregam na composição suas próprias interpretações estilísticas – desta vez neogóticas, embora seja curiosamente conhecido como “Cemitério Bizantino”. Reproduzem torres de igrejas, campanários e formas piramidais, encimados ou não por cruzes.
Existe algum tipo de acautelamento, como patrimônio cultural material, imaterial ou natural relacionados a este verbete?
Em 1980, o “Conjunto Arquitetônico e Paisagístico, especialmente o Cemitério, da Cidade de Mucugê” foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. O conjunto envolvia, à época, pouco mais de 300 edificações (ampla maioria de edificações térreas) e duas igrejas.
Referências
AMARAL, Fellipe Decrescenzo Andrade. O popular em xeque: arquitetura popular e prática de preservação na cidade de Mucugê, Bahia. Orientadora: Juliana Cardoso Nery. 2022. 287f. il. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador.
BAHIA. Secretaria da Indústria e Comércio. Inventário de proteção do acervo cultural: monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina. Salvador, 1980.
PEREIRA, Gonçalo de Athayde. Memória histórica e descriptiva do Município de S. João do Paraguassú. Bahia: Reis & C., 1907.
SAMPAIO, Teodoro. O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.