Lapinha da Serra
Lapinha da Serra está locada no município de Santana do Riacho (MG), no meio da Serra do Espinhaço, abaixo do grande maciço do Breu. Marcada por expressivos afloramentos rochosos, desde o início da formação da vila o precário acesso influenciou as relações ali estabelecidas. Em uma dinâmica circunscrita ao seu entorno próximo, estima-se que a comunidade da Lapinha teve sua formação no século XVIII. Ao que tudo indica seu nome se refere a formações calcárias, e que ali buscavam por diamante, prática que se estendeu até o século XX. Nesse período as atividades que formatavam o cotidiano dos moradores da Lapinha centravam-se na agricultura e na pecuária. Fruto do resguardo geográfico-político-econômico, os costumes presentes nos moradores da Lapinha afloraram influenciados por materiais e soluções fundamentalmente locais. A partir do final da década de 1980, a biodiversidade e relevância ambiental, o potencial de esportes de aventura, o caráter contemplativo, a cultura rural mineira serrana fortemente manifesta entre outros aspectos da Lapinha e seu entorno propiciaram base para o crescente interesse de turistas. A partir do final da década de 1990 o turismo se consolidou como o principal propulsor de transformações no cotidiano da vila e por conseguinte na cultura de seus habitantes. O estabelecimento de novos visitantes e moradores produziu adensamento e expansão da vila, envolvendo, dentre outros aspectos, a introdução de novas técnicas construtivas, a transformação das técnicas vernáculas e consequente alteração tipológico-construtiva da pequena vila centenária. Arquitetura Vernácula da Lapinha evidencia sua produção atual.
Dados do Verbete
Categoria:
Sub-categoria:
Autor:
Data da última atualização do verbete:
Gente
Povos e comunidades tradicionais
Mariana Klimkievicz
11 de dezembro de 2023
Detalhamento
Nome do povo ou comunidade
Lapinha da Serra
Outros nomes do povo ou comunidade
–
Município(s)
Santana do Riacho
Se não for a cidade sede do município, indique aqui o distrito ou subdistrito ou se é área rural
Distrito
Localidade (se aplicável):
–
Apresentação sucinta – Quem são
Na Lapinha residem moradores descendentes de famílias antigas daquele meio de serra, cujo início da ocupação possivelmente está ligado ao século XVIII. Ao longo do século XX a comunidade residente na Lapinha da Serra teve sua produção do espaço mantida sob influências circunscritas ao seu entorno próximo. Vivia-se na Lapinha dos recursos da Serra, dos matos, das roças, das hortas e das
casas, do que era, como costumam dizer, “daqui mesmo”. Consequência do difícil acesso e baixo interesse econômico (LOPES, 2009), tanto os elementos ambientais quanto as expressões culturais, produtora e produto da dimensão material, permaneceram sem os profundos traços da cultura urbana industrial. A partir do final da década de 1980, a biodiversidade e relevância ambiental, o potencial de esportes de aventura, o caráter contemplativo, a cultura rural mineira serrana fortemente manifesta entre outros aspectos da Lapinha e seu entorno propiciaram base para o crescente interesse de turistas. A partir do final da década de 1990 o turismo se consolidou como o principal propulsor de transformações no cotidiano da vila e por conseguinte na cultura de seus habitantes. Com a vinda dos novos visitantes e moradores, estabeleceu-se o adensamento e expansão da vila, envolvendo, dentre outros aspectos, a introdução de novas técnicas construtivas, a transformação das técnicas vernáculas e consequente alteração e descaracterização tipológico-construtiva da pequena vila centenária. Se antes existiam contratações de profissionais para processos da construção da estrutura, aberturas e cobertura das casinhas antigas, atualmente a edificação como um todo é trabalhada pelos mestres, pedreiros, serventes. Muitos são filhos e sobrinhos de mestres adobeiros, mestres carpinteiros, mestres de obra, e estão inseridos no mercado da construção da Lapinha. Hoje esses profissionais sabem não somente as técnicas nascidas do costume, mas também as do mercado. São profissionais que dialogam com técnicos, arquitetos, engenheiros, topógrafos, e conhecem legislações acerca dos processos construtivos.
Arquitetura – Descrição da arquitetura vernácula
No século XX os moradores da Lapinha residiam em casas que, com poucas exceções, eram edificadas sob um padrão. Atualmente essas casas são chamadas pela população local de casinhas antigas. Assim como nas demais produções locais, na maioria dos casos toda a matéria-prima usada para a construção dessas casinhas era coletada em seu entorno, no mato próximo às roças ou no alto da serra. Cada uma com marcas de suas particularidades artesanais, as casinhas antigas eram quadradas, em um pavimento e divididas em quatro cômodos: sala, cozinha e dois quartos. Se antes as casas já passavam por reformas, expansões, com o estabelecimento das atividades turísticas e da venda de terrenos, os moradores originários incorporaram também novos materiais adquiridos dentro do mercado da construção civil. As mudanças se mostraram ainda mais expressivas nos novos canteiros de obras para proprietários ligados à outros lugares, sejam casas construídas para aluguel ou para residência. No início do século XIX o crescimento era evidente. Apesar do conceito de pequenas casas estar difundido ali, inclusive por ser uma boa oportunidade de investimento para aluguel turístico, ao longo do tempo as construções ocuparam mais de seus terrenos e se tornaram mais altas. Atualmente a técnica mais longeva e expressiva, a qual é inclusive a que a comunidade como um todo detinha domínio, é o adobe. Seu emprego é evidente ao andar pelas ruas da vila, não somente pela quantidade em si como por essas paredes estarem, como se diz na Lapinha, a vista, com seus blocos aparentes, sem reboco. O uso do adobe aparente se dá em pelo menos 71% dos casos que utilizam adobe. Os blocos expostos aparecem em maior quantidade nas novas edificações, ainda assim, paredes antigas, antes rebocadas com terra, já em necessidade de manutenção, também se valeram da nova estética. A quantidade de edifícios que empregam o adobe em relação ao total construído é, em porcentagem, cada vez menor. Se antes todas as paredes eram de terra, atualmente o tijolo cerâmico furado se tornou protagonista, pelo menos 70% da vila o emprega, ainda que em conjunto com outras técnicas, como o adobe. No que tange ao uso adobe há pelo menos 24% das edificações da vila que o empregam, e menos de um décimo desses casos utilizam apenas a técnica na construção, em outras palavras, muito provavelmente essas paredes de adobe estão ao lado de paredes de tijolo cerâmico furado. Não se sabe o primeiro muro e o primeiro feitor, mas desde o final da segunda década do século XXI é crescente o número de edificações que empregam alvenaria convencional imitando adobe, o chamado falso adobe. A parede é construída com tijolo cerâmico furado e a textura dos adobes assentados é desenhada no reboco cimentício. As técnicas vernáculas praticadas na comunidade passaram por diversas alterações, tanto pela troca por outra técnica, como a da cobertura de sapé pela de telha cumbuca, tanto quanto por inovações dentro da própria técnica, como a masseira de adobe que deixou de ter capim.
Aspectos históricos, sociais, econômicos, culturais e geográficos relacionados à arquitetura vernácula
Na Lapinha da Serra são diversos os fatores que influenciam as técnica construtivas, fomentam sua manutenção, transformação ou descontinuidade, dentre eles contexto histórico-geográfico, disponibilidade de matéria-prima, acessibilidade, custo, costume, domínio técnico, formação de mão-de-obra, planejamento e gestão turística, legislação vigente, desejo pessoal. As técnicas vernáculas praticadas na comunidade passaram por diversas alterações, tanto pela troca por outra técnica, como a da cobertura de sapé pela de telha cumbuca, tanto quanto por inovações dentro da própria técnica, como a masseira de adobe que deixou de ter capim. Atualmente, pode-se escutar os ruídos das construções sendo realizadas na vila. Ainda assim, empreender uma obra na Lapinha tem seus desafios. Não somente pelo fervor do crescimento da ocupação e agenda cheia da mão-de-obra disponível, os custos e prazos de logística, como frete de materiais, encarecem a obra. E por isso se não todas, a maioria das obras, tanto de famílias originárias, quanto de antigas e novas famílias, buscam agilidade e facilidade e no mercado convencional da construção civil encontram essas comodidades. Muitas das antigas técnicas já não fazem mais parte do dia-a-dia de seus feitores, ainda que em algumas edificações elas ainda possam ser identificadas. A indisponibilidade das diversas matérias-primas presentes nas diferentes técnicas vernáculas é um dos desafios impostos. Todas as reservas para coleta de madeira, de solos etc. estão localizadas dentro da demarcação do terreno de algum particular, inviabilizando a disponibilidade in loco de elementos antes comuns no construir e manter das casas, paióis, ranchos, currais. Pode-se até conseguir a mesma matéria, mas sob uma logística diferente. Assim os processos de extração dessas matérias deixam de compor o cotidiano e mutuamente o domínio das gerações seguintes. O feitio do adobe na Lapinha é um exemplo emblemático das inovações culturais vividas pela comunidade, que mesmo antes da consolidação de acesso veicular experimentava e alterava os processos da técnica, suas matérias-primas, seu local de fabricação, seu formato, sua função estrutural, sua estética, se não uma, algumas vezes.
Organização social
O domínio da técnica é por todos remetido à força de trabalho masculina, ainda que as mulheres estivessem presentes em diversas ações do processo. Em todas as gerações há mestres adobeiros, aqueles que guardam e repassam a técnica, que são tidos como referência. Quando entrevistados os moradores contam que aprenderam com o pai, tio, irmão mais velho, que aprendeu com um mestre do início do século XX. Se na infância esses futuros mestres estavam aprendendo sob os cuidados das mulheres, quando rapazes ou jovens adultos um homem referência os acompanhava na entrada de fato no feitio de adobe. Enfim, a comunidade como um todo detinha o domínio e o ato de fazer era fonte de aprendizado para os mais novos que acompanhavam. As novas gerações já nascidas no século XXI, mais distantes do cotidiano de plantio e dos processos vernáculos de construção e manutenção da residência, não vivem o aprendizado cotidiano dessas técnicas; conhecem, mas não há o domínio de empreender sozinhos. Muitos moradores que estavam nos canteiros de obra não estão mais. Mas há ainda dentre as famílias originárias quem continua nos canteiros e possui habilidade de técnicas apreendidas em diferentes momentos da Lapinha, inclusive antes do acesso veicular. Observa-se que tanto há mestres artífices fruto de uma vivência vernácula como que esses mestres continuam possuindo habilidades apreendidas de conhecimento local, continuam construindo, aprendendo, experimentando e transmitindo experiência para as novas gerações.
Saberes tradicionais e celebrações
–
Inserção das construções vernáculas na paisagem
Se até a virada do século as casas da pequena vila se concentravam nas proximidades da igreja e da Lagoa da Lapinha, até o final da primeira década se observa adensamento dessas áreas centrais e a expansão da vila. Na segunda década do século XXI, além de nova expansão, adensou-se a área já ocupada como um todo. A materialidade da vila passou a se transformar não somente no sentido de
adensamento e expansão, como também tipológico, material, organizacional. São novas pessoas, novos processos construtivos, novas técnicas, novas motivações. São nas escolhas cotidianas das pessoas, ligadas ao contexto que o espaço se transforma.
Existe algum tipo de acautelamento, como patrimônio cultural material, imaterial ou natural relacionados a este verbete?
Há uma residência e uma pequena ingreja que constam na Lista de Bens Protegidos no Município de Santana do Riacho. Não há ações definidas para a conservação dos bens.
Referências
Não foram submetidas referências para este verbete.